terça-feira, 7 de outubro de 2014

Após as eleições, a saída é pela esquerda!

Acabou o primeiro turno das eleições de 2014. Doze anos se passaram desde que Lula foi eleito pela primeira vez e muita gente está, com justiça, indignada com o governo do PT. Percebo, entretanto, que uma parte dessas pessoas volta os olhos para a velha direita, o PSDB, como alternativa para "mudar a situação". Muita gente começa a dar ouvidos para discurso do PSDB que diz que a corrupção e a precarização dos serviços públicos são problemas exclusivos do PT. Aécio até engana com aquele sorriso simpático, não é?

[Esse texto não aborda o tema das opressões, pretendo fazer isso com mais fôlego no próximo.]

O governo do PT causou, uma boa confusão na classe trabalhadora, até o ponto que uma boa parte da classe trabalhadora não se reconhece enquanto classe. Paralelamente a isso, muitos defensores de teorias pós-modernas (em especial foucaultianas) transmitem a ideia que as classes sociais são "ideológicas", como se o problema do capitalismo fosse "preconceito contra pessoas pobres" (erroneamente chamado de "classismo"). Muita gente não sabe mais a diferença entre esquerda e direita e acha que "luta de classes" é uma invenção do marxismo.

Classes sociais existem!

O capitalismo é, a grosso modo, o sistema de produção onde uma pequena parcela da população é proprietária dos meios de produção que abastecem toda a sociedade, que é denominada classe burguesa. Outra parcela majoritária da população é teoricamente livre, mas não possui nenhum meio de sobreviver senão vendendo sua força de trabalho para a burguesia. Esta é a classe trabalhadora ou proletariado.

[Além dessas duas, existem também o campesinato e a pequena burguesia, e talvez outras variações, que não abordaremos nesse texto. Aqui tem uma boa fonte sobre a origem do Capitalismo.]

Uma pessoa que é proprietária de uma fábrica tem interesse de pagar o mínimo possível para as trabalhadoras, enquanto as trabalhadoras querem receber o máximo possível. Os interesses das duas classes são opostos. Entretanto, no sistema capitalista, quem decide o salário é a proprietária, não a trabalhadora. Se ela não aceita o salário, e se existe quem precisa deste salário, ela será substituída (isso explica porque a maior parte dos empregos nos países subdesenvolvidos recebem, no máximo, pouco mais que um salário mínimo). Se ela se revolta sozinha, ela é demitida. O único meio que a classe trabalhadora tem para defender seus interesses é a partir da organização coletiva: greves, manifestações de rua, greves gerais, revoluções, etc.

Rio de Janeiro, Junho de 2013
Essa é a luta de classes. A História e até a imprensa atual nos mostram que ela não é invenção das pessoas marxistas, nem das socialistas em geral, ela muitas vezes acontece sem que tenha ninguém lá para dirigi-la.

Na política, a distinção entre direita e esquerda não é caracterizada pela defesa do Estado mínimo ou máximo, da privatização ou estatização, pela "liberdade" ou "controle estatal absoluto". O que distingue a direita da esquerda é a defesa dos interesses que pertencem principalmente à classe burguesa (ou a uma parte dela) ou que pertence principalmente à classe trabalhadora (ou a uma parte dela), respectivamente. O conflito entre a direita e a esquerda é a forma concreta que a luta de classes toma na política.

Sociedade capitalista, Estado capitalista

Estamos em uma sociedade capitalista. O Estado não é neutro, ele tem um objetivo: garantir que a sociedade "funcione", ou seja, que o capitalismo continue a existir. De maneira geral, isso se traduz na defesa do direito à propriedade acima de qualquer outro direito, até mesmo do direito à vida. Um exemplo concreto: no Pinheirinho, o direito à propriedade privada de um burguês (Naji Nahas) se sobrepôs a vários direitos de mais de seis mil pessoas.

Existe o direito à propriedade, mas não existe o direito a um emprego com salário digno. Isso por si só já coloca a proprietária e a trabalhadora em uma relação desigual: a proprietária continuará tendo sua propriedade, caso a trabalhadora não aceite o salário, mas esta pode não ter um emprego garantido caso não aceite as condições daquela. Muitas vezes, sua própria sobrevivência depende disso.

O Estado pertence à classe economicamente dominante. No capitalismo, o Estado é burguês. São inúmeras as leis que, em maior ou menor grau, beneficiam a classe burguesa em detrimento da classe trabalhadora. As leis trabalhistas (carga horária, férias, aposentadoria, seguro desemprego, salário mínimo, etc) existem porque os partidos de esquerda trouxeram a luta de classes para o campo político. E é esta luta política que Dilma, Aécio e Marina abafaram nos debates eleitorais.

Partido dos trabalhadores?

O governo do PT não foi um governo da classe trabalhadora. Cumprindo o que estava escrito na Carta ao Empresariado Povo Brasileiro, o governo do PT manteve, em essência, o tripé econômico neoliberal iniciado pelo governo do PSDB: a preservação das metas inflacionárias, o superávit fiscal e o câmbio flutuante. Ou seja, ainda que o PT tenha criado ou ampliado algumas medidas de compensação (como o Bolsa Família e a valorização do salário mínimo), o governo teve centralmente uma política neoliberal.

Isso significa, em particular, preservar o constante pagamento da "dívida pública", que nada mais é do que um mecanismo de transferência de dinheiro para os banqueiros. Essa "dívida" já foi paga dezenas de vezes, o governo está pagando juros sobre juros. Como a experiência demonstra, esta dívida cresce exponencialmente e não pode ser paga. Isso significa que mais de 40% dos nossos impostos são transferidos como uma "Bolsa Banqueiro", não para os miseráveis como acontece com o Bolsa Família, mas sim para quem já têm dinheiro de sobra.

Durante esses doze anos, foram realizadas privatizações, aumento da precarização e da terceirização, reforma da previdência, escândalos de corrupção, parcerias público-privadas, entre outras políticas de direita.

O governo gasta, por ano, 800 bilhões com a dívida pública, empresta centenas de bilhões em subsídios para empresas pelo BNDES e gasta apenas 24 bilhões no Bolsa Família. Resultado: até 08/09, Dilma havia recebido 68% do dinheiro que veio das dez maiores empresas financiadoras da campanha eleitoral deste ano. Ou seja, Dilma é a candidata preferida da alta burguesia.

O fato que houve a implementação de alguns programas para combater a desigualdade social não mudam que, de conjunto, o governo do PT foi de direita, pois nada disso supera os 800 bilhões que são gastos todos os anos no Bolsa Banqueiro.
Não importa o tamanho da montanha, ela não pode tapar o sol.

Mas o PSDB não pretende mudar nada disso, muito pelo contrário, o Aécio Neves defende todas essas políticas descritas aqui.

Totalitarismo e corrupção são de esquerda?

Corre solto o mito que comunistas são comedores de criancinhas. O stalinismo causou um enorme retrocesso quando transformou a URSS em uma ditadura, revogando direitos, reprimindo manifestações e greves que incomodavam sua posição. Não só isso, como, a partir do enorme poder político que conseguiu, fez com que todas as revoluções socialistas posteriores também fossem baseadas na teoria stalinista.

Hoje, a direita refere-se à esquerda como aquela que defende um grande Estado corrupto e totalitário que controla a tudo e a todos e "faz qualquer coisa" para permanecer no poder. Esse é o estereótipo, o espantalho criado pelo imperialismo a respeito do comunismo na época da Guerra Fria.

Desfaçamos os mitos. O stalinismo é prova de que um governo socialista pode, de fato, tornar-se ditatorial, mas o totalitarismo em si não é de esquerda nem pode sê-lo, pois ele agride muito mais a classe trabalhadora do que a burguesia. Socialismo significa uma sociedade onde o controle sobre os meios de produção é feito pela classe trabalhadora. Ao reprimir as manifestações democráticas da classe trabalhadora, o stalinismo estava fazendo a URSS andar em direção à restauração do capitalismo.

A corrupção também é parte do capitalismo, é um dos métodos pelos quais a burguesia exerce sua influência econômica para que o Estado defenda seus interesses. É verdade que a mídia burguesa e a direita tradicional, como o PSDB, apropriou-se da corrupção endêmica do capitalismo para difamar o PT e tentar derrubá-lo, mas não se pode negar que o PSDB e todos os partidos da ordem também estão afundados na lama da corrupção. A diferença é que a mídia, quando muito, divulga esses casos com bastante timidez.

Algumas pessoas de direita chegam a defender o absurdo que Hitler e Mussolini eram de esquerda. Hitler não defendia o Estado Burguês clássico, defendia abertamente um Estado totalitário, um "reino" dominado por um partido único que estivesse acima de qualquer direito individual, inclusive do direito à propriedade privada. Ele chamou a seu partido de "socialista" e usou muito a cor vermelha, mas os registros históricos mostram que isso foi uma escolha deliberada para enganar os trabalhadores, já que o socialismo estava "na moda" na época. Entretanto, Hitler tinha o apoio dos grandes monopólios internacionais, ao contrário de todos os partidos de esquerda que já existiram na História.

O grande magnata da mídia norte-americana da época, William Hearst, apoiou Hitler, criando uma boa imagem do nazismo nos EUA. Quando Charlie Chaplin decidiu criar o filme "O Grande Ditador", os capitalistas que ele conhecia tentaram convencê-lo a não lançar esse filme, pois apoiavam Hitler. O partido nazista difundia os valores morais burgueses, era a escolha da burguesia para combater o socialismo da URSS e impedir que ele se espalhasse por todo o mundo, além de criar uma guerra que seria fonte de altíssimos lucros.

    Comparação dos gastos do governo dos EUA
    À esquerda: gastos nas  áreas científicas em 2011
    No meio: gastos militares em 2011
    À direita: total dos gastos na NASA de 1958 a 2011

É estarrecedor que o modelo mundial de "liberdade" e de "democracia" seja os EUA, um país que gasta 300 vezes mais dinheiro com gastos militares do que com pesquisas científicas. Ignora-se, com isso, os registros históricos que mostram que várias multinacionais dos EUA inclusive continuaram a vender seus produtos e oferecer serviços para a Alemanha nazista em plena guerra, mesmo depois da entrada dos EUA, com o conhecimento e consentimento do presidente Roosevelt. O governo dos EUA foi diretamente responsável pela instauração de ditaduras militares por toda a América Latina nas décadas de 1960 e 70. Os EUA financiaram ditaduras no Oriente Médio e também o massacre contra o povo palestino.

As ditaduras não se instalam nos países mais miseráveis e desiguais do mundo por motivos religiosos, mas sim porque, quanto maior é a exploração, mais forte é a luta de classes e com mais violência ela precisa ser reprimida. A despeito das aparências e do jogo político, a existência de ditaduras nos países subdesenvolvidos (inclusive na China!) beneficia o imperialismo.

A propaganda deste imperialismo que diz que a ideologia comunista ou marxista é a maior causa de mortes da História não pode ser levada a sério. Em primeiro lugar, essas mortes foram decorrência dos regimes stalinistas. Em segundo, a desigualdade social gerada pelo capitalismo matou e continua matando muito mais pessoas do que estes regimes. Alguns defensores do capitalismo defendem que estes regimes mataram entre 90 e 100 milhões de pessoas. Segundo a própria ONU, 17 mil crianças abaixo de 5 anos morrem por dia no mundo. Isso significa que são necessários pouco mais de 16 anos para que morram 100 milhões de crianças abaixo de 5 anos. Enquanto isso, as 0,7% da população do mundo detém 41% da riqueza mundial.

Qual é a saída?

Deveria ser óbvio, mas é preciso dizer que, para serem livres, as pessoas precisam permanecer vivas. Elas precisam ter alimentação, moradia, vida social e cultural, enfim, direitos básicos garantidos. A "liberdade" que a direita defende tem como base o direito à propriedade privada e à acumulação do capital e, portanto, não aponta a saída para os problemas que incomodam a maioria da população brasileira. A mudança só poderá ocorrer na luta por uma sociedade livre de exploração e de opressão, para que a prioridade do governo sejam os problemas sentidos pela maioria da população, e não que seja um aliado dos bancos e das empresas. Um governo da classe trabalhadora para a classe trabalhadora.

Nem Dilma nem Aécio representam qualquer avanço nesse sentido e, por isso, no segundo turno, meu voto é nulo.